29 fevereiro 2004

ÁLVARO DE CAMPOS - TABACARIA

"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
Àparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossìvelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos sêres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e êste lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz de propósito nenhum, talvez tudo fôsse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos,
Más lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que seu eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fêz.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo.
Tenho feito filosofias em segrêdo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma
parede sem porta,
E cantou a cantiga de Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num pôço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sôbre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrêlas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e êle é opaco,
levantámo-nos e êle é alheio,
Saímos de casa e êle é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões tôdas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de fôlha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida dêstes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprêso sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fôsse viva,
Ou patrícia romana, impossìvelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocotte célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que fôr, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degrêdo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para àquem do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbedo tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com desconfôrto da cabeça mal voltada
E com o desconfôrto da alma mal-entendendo.
Êle morrerá e eu morrerei.
Êle deixará a tabuleta, eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta gigante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas
como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da
superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entra na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever êstes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como a uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de tôdas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal
disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fôsse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo trôco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica. (O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria
sorriu.”

15 - 01 - 1928

28 fevereiro 2004

ÁLVARO DE CAMPOS

Álvaro de Campos nasceu em Tavira em 1890, sendo um homem bastante viajado. Também discípulo de Alberto Caeiro, em derivação oposta de Ricardo Reis.

Depois de frequentar o liceu, formou-se em engenharia mecânica e naval em Glasgow, na Escócia, tendo, nas férias, feito uma viagem pelo Oriente, com base na qual escreveria, no Canal do Suez, o poema “Opiário”, dedicado a Mário de Sá-Carneiro (escrito antes da “influência do mestre Alberto Caeiro”).

Viveria depois em Lisboa, não exercendo, por opção própria, qualquer profissão, dedicando-se à literatura, participando também em polémicas políticas, sendo o autor do “Ultimatum”, um manifesto contra os literatos instalados. Mantinha inclusivamente polémica com o próprio Pessoa.

Fisicamente, era “entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo”. Era alto e magro, com tendência a curvar-se.

Numa visita ao Ribatejo, conheceria Alberto Caeiro, de quem se tornou discípulo, mas do qual se viria a afastar, privilegiando a sua vertente modernista e futurista, celebrando o ritmo frenético das máquinas e a velocidade, de que resulta também a escrita da “Ode Triunfal”.

É o heterónimo que mais se aproxima do seu criador, quer fisicamente, quer no pensamento. Terminaria em angústia, entediado, desencantado e cansado da vida.

27 fevereiro 2004

RICARDO REIS - POESIA

“Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De arvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Eguaes a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dôr nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ella nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos Deuses.

Mas serenamente
Imita o Olympo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.”

1 - 07 - 1916

“Não consentem os deuses mais que a vida.
Tudo pois refusemos, que nos alce
A irrespiráveis pincaros,
Perennes sem ter flores.
Só de acceitar tenhamos a sciencia,
E, emquanto bate o sangue em nossas fontes,
Nem se engelha comnosco
O mesmo amor, duremos,
Como vidros, ás luzes transparentes
E deixando escorrer a chuva triste,
Só mornos ao sol quente,
E reflectindo um pouco.”

17 - 07 - 1914

“Vivem em nós innumeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou sòmente o logar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indifferente a todos.
Faço-os callar: eu fallo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada dictam
A quem me sei: eu escrevo.”

13 - 11 - 1935

26 fevereiro 2004

RICARDO REIS

Ricardo Reis, revelado no espírito de Pessoa em 1912 (apesar de apenas começar a “assinar poemas” em 1914, já como discípulo de Alberto Caeiro), nasceu no Porto, tendo como data de nascimento o ano de 1887, tendo sido educado num colégio de jesuítas, recebendo uma educação clássica (latina), estudando, por vontade própria, o helenismo (tendo Horácio como seu modelo literário).

Era médico, não exercendo contudo a profissão.

Dadas as suas ideias monárquicas, emigraria em 1919 para o Brasil, na sequência da implantação da República, país no qual viria a terminar a vida.

Fisicamente, era de um vago moreno mate, forte, seco, ligeiramente mais baixo que Alberto Caeiro.

Em termos de escrita era um purista exagerado, com uma linguagem densa, privilegiando géneros altamente elaborados, como o epigrama, a elegia e a ode.

25 fevereiro 2004

ALBERTO CAEIRO - O GUARDADOR DE REBANHOS

“Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janella.

Mas a minha tristeza é socego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ella dar por isso.

Como um ruido de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que elles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incommóda como andar á chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos.
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sòsinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silencio pela herva fóra.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo d'um outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas idéas,
Ou olhando para as minhas idéas e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não comprehende o que se diz
E quer fingir que comprehende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapeu largo
Quando me vêem á minha porta
Mal a diligencia levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé dúma janella aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou cousa natural -
Por exemplo, a arvore antiga
Á sombra da qual creanças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.”

8 - 03 – 1914

24 fevereiro 2004

ALBERTO CAEIRO

Conforme refere Fernando Pessoa, em carta a Adolfo Casais Monteiro, Alberto Caeiro (“surgido” ao poeta a 8 de Março de 1914) é o Mestre, inclusivamente do próprio Pessoa.

Nasceu em Lisboa em 1889, aí morrendo precocemente em 1915, vítima de tuberculose, tendo passado, não obstante, a maior parte da sua vida no campo, numa quinta no Ribatejo, onde escreveu a maioria dos seus poemas, desde o livro “O Guardador de Rebanhos” (com 30 e tal poemas escritos “a fio”), a “O Pastor Amoroso” e aos “Poemas Inconjuntos”. Aí viria a conhecer Álvaro de Campos.

De estatura média, era louro, pálido e de olhos azuis, de saúde frágil.

A sua educação restringia-se à instrução primária, “escrevendo mal o português”; órfão desde muito novo, não tendo profissão, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó.

O “mestre bucólico”, guardador de rebanhos, era um poeta naif, escrevendo poesia por pura inspiração, baseada nas sensações, com um português descuidado, com repetições com intervalos pouco espaçados, por vezes mesmo com lapsos.

23 fevereiro 2004

FERNANDO PESSOA (III)

Fernando Pessoa Em 1924, é lançada a revista “Atena”, dirigida por Fernando Pessoa e Ruy Vaz. No ano seguinte, falecia a mãe. Em 1926, dirige a “Revista de Comércio e Contabilidade”.

Em 1934, concorreu a um prémio da Secretaria de Propaganda Nacional, que conquistou na categoria B, devido à reduzida extensão da obra, “Mensagem”, o seu único livro publicado em vida: uma exaltação portuguesa, com características sebastiânicas, esperando o regresso da glória lusitana.

Ao longo da vida, escreveria mais de 25 mil páginas de poesia, prosa, peças de teatro, filosofia, em português, inglês (nomeadamente com os heterónimos Alexander Search e Charles Robert Anon) e francês (com o heterónimo Jean Seul), espólio conservado na Biblioteca Nacional de Lisboa.

A sua obra apenas seria difundida a partir de 1943, altura em que Luís de Montalvor deu início à edição das obras completas de Fernando Pessoa, integrando os seus poemas, assim como daqueles assinados com os seus heterónimos. Seriam também publicados volumes de Poesias (de Fernando Pessoa), Poemas Dramáticos (de Fernando Pessoa), Poemas (de Alberto Caeiro), Poesias (de Álvaro de Campos), Odes (de Ricardo Reis), Poesias Inéditas (de Fernando Pessoa, dois volumes), Quadras ao Gosto Popular (de Fernando Pessoa), assim como os textos de prosa de Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, Textos Filosóficos, Sobre Portugal – Introdução ao Problema Nacional, Da República (1910-1935) e Ultimatum e Páginas de Sociologia Política, para além do Livro do Desassossego (do semi-heterónimo Bernardo Soares).

Havia já deixado a vida a 30 de Novembro de 1935, com 47 anos, no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa.

(Vidé também a Fotobiografia de Fernando Pessoa).

22 fevereiro 2004

FERNANDO PESSOA (II)

Fernando Pessoa Começa também a estudar, como auto-didacta, os grandes clássicos da literatura (em particular a portuguesa, de forma a alargar a tradicional educação inglesa que recebera na África do Sul) e filosofia, nomeadamente Schopenhauer e Nietzsche, surgindo os seus primeiros “textos filosóficos”, que apresentaria até cerca de 1915. Ao longo da década de 10, seria um activo líder do movimento Modernista.

Surgira então, por volta de 1911/12, a sua vertente poética, sendo os primeiros poemas atribuídos a Alberto Caeiro, apesar de o “mestre” apenas ter sido “criado” em 8 de Março 1914, altura em que Pessoa passa a escrever poemas de cada um dos seus heterónimos (Alberto Caeiro e os “discípulos” Ricardo Reis e Álvaro de Campos), conforme carta que dirigiu a Adolfo Casais Monteiro.

Não se tratava de pseudónimos, uma vez que não eram meramente nomes falsos, representando “outros, eus” inventados, com distintas personalidades, pensamentos, visões e estilos literários; eram personalidades “dotadas de vida”, inclusivamente com traços físicos distintivos, cada um com a sua “biografia” própria, com diferentes formações culturais e profissões.

Mas, logo em 1915 – ano em que surge a revista “Orfeu”, fundada com o amigo Mário de Sá-Carneiro e Luís de Montalvor, onde publicaria os seus primeiros poemas – “mataria” Alberto Caeiro. Em 1916, o seu amigo Mário de Sá-Carneiro suicida-se.

Em 1920, com o regresso da mãe (novamente viúva) a Portugal, voltaria a viver com a família, na Rua Coelho da Rocha, actual “Casa Fernando Pessoa”, onde passou os últimos 15 anos da sua vida.

Conheceu então Ophélia Queiroz, por quem teria uma paixão, logo interrompida, posteriormente retomada até 1929, documentada pelas várias cartas de amor que trocaram, entretanto editadas em 1978, na sequência de organização e anotação por David Mourão-Ferreira.

21 fevereiro 2004

FERNANDO PESSOA (I)

Fernando Pessoa Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, no Largo de São Carlos, a 13 de Junho de 1888, filho de Joaquim de Seabra Pessoa (crítico musical do “Diário de Notícias”) e de Maria Madalena Pinheiro Nogueira.

Em 1893, perdeu o pai, vendo-se a viúva obrigada a leiloar os bens. Em 1894, a mãe conheceu o comandante João Miguel Rosa, cônsul interino de Portugal em Durban, com o qual casaria, por procuração, a 30 de Dezembro de 1895, partindo então para a África do Sul, onde receberia a sua formação básica, no seio de uma envolvente cultural inglesa.

Aí viveria Fernando Pessoa cerca de 10 anos, até 1905, ano em que regressou a Portugal.

Começou por estudar no convento de West Street, a que se seguiu o Liceu de Durban.

Em 1901, realizou com distinção o seu primeiro exame, o Cape School Higher Certificate Examination.

Entre 1901 e 1902, passou férias em Portugal, residindo em Lisboa, Tavira (com a família paterna) e na ilha Terceira (com a família materna).

Em 1903, obteria, com o ensaio de inglês que apresentara para concorrer à Universidade do Cabo, o “Queen Victoria Memorial Prize”.

Aos 15 anos, lia já Dickens, Shakespeare, Voltaire, Molière, Tolstoi.

Aos 17 anos, deixa a mãe, o padrasto e os seus cinco meios-irmãos, regressando a Portugal, para se matricular no Curso Superior de Letras – que apenas frequentaria por um breve período, entre 1906 e 1907 –, passando a viver na casa de uma tia, em Lisboa. Mais tarde, foi viver com a avó paterna, a que se seguiram diversas casas e quartos alugados.

Em 1908, para ganhar a vida, dedicava-se à tradução de correspondência estrangeira para várias casas comerciais.

20 fevereiro 2004

FERNANDO PESSOA - AUTO-BIOGRAFIA

Fernando Pessoa "Nota autobiográfica de Fernando Pessoa (1935)

Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa.

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório) em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto e que foi Diretor-Geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro.

Ascendência geral: misto de fidalgos e judeus.

Profissão: A designação mais própria será «tradutor», a mais exata a de «correspondente estrangeiro em casas comerciais». O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Morada: Rua Coelho da Rocha, 16, 1º. Dto. Lisboa. (Endereço postal - Caixa Postal 147, Lisboa).

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.

Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. O que, de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte: «35 Sonnets» (em inglês), 1918; «English Poems I-II» e «English Poems III» (em inglês também), 1922, e o livro «Mensagem», 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria «Poema». O folheto «O Interregno», publicado em 1928, e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito.

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o Comandante João Miguel Rosa, Cônsul de Portugal em Durban, Natal, foi ali educado. Ganhou o prêmio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.

Ideologia Política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes, votaria, embora com pena, pela República. Conservador do estilo inglês, isto é, liberdade dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reacionário.

Posição religiosa: Cristão gnóstico e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão implícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: Iniciado, por comunicação direta de Mestre a Discípulo, nos três graus menores da (aparentemente extinta) Ordem Templária de Portugal.

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade.

Nacionalista que se guia por este lema: «Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação».

Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo de estas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Lisboa, 30 de Março de 1935"

Fonte: Fernando Pessoa no seu tempo, Biblioteca Nacional (Portugal), 1988 (págs. 17-22).

19 fevereiro 2004

MOZART - OBRA (III)

Óperas

Mozart foi o maior compositor de ópera da sua época. Desde a sua juventude começara a trabalhar nas óperas “menores”, de que se destacam Mitridate, Lucio Silla, O Rei Pastor, Idomeneu e La Clemenza di Tito.

No seu apogeu, comporia o conjunto das óperas “imortais”, incluindo as suas obras culminantes: O Rapto do Serralho, As Bodas de Fígaro, Don Giovanni, Così fan Tutte e A Flauta Mágica, sendo a última considerada uma das mais importantes óperas de todos os tempos.

Concertos

Mozart compôs 27 concertos para piano em toda sua vida, praticamente criando um novo género.

O primeiro concerto para piano de especial destaque foi o número 9, K. 271, composto em 1777, conhecido como Jeunehomme.

Já em Viena, Mozart compunha o Concerto n. 17, K. 453, a que se seguiram mais 14 concertos, escritos entre 1784 e 1786, de que se destacam os números 20, 21, 23 e, o mais famoso de todos, o 24.

Para outros instrumentos, destacam-se os três primeiros concertos para violino (em particular o terceiro, K. 216), o quarto concerto para trompa, K. 495, o Concerto para Flauta e Harpa, K. 299, o Concerto para Flauta no. 1, K. 313, o Concerto para Fagote, K. 191, e o Concerto para Clarinete, K. 622.

18 fevereiro 2004

MOZART - OBRA (II)

Serenatas

A música de entretenimento foi um género recorrente na obra de Mozart, devido principalmente ao período que passou na corte de Salzburgo, em que produziu diversas peças para animação de festas e comemorações várias.

A mais conhecida peça deste género é a Serenata em Sol Maior, K. 525, mais conhecida como Eine Kleine Nachtmusik. São também famosas a Serenata K. 239, Serenata Noturna, e a Serenata K. 250, Haffner.

Música de câmara

As suas maiores obras-primas neste género são seis quartetos, compostos em 1785, de que se destaca o último, K. 465, em Dó Maior, chamado Quarteto Dissonante.

Mozart praticamente inventaria uma formação instrumental: o quarteto com piano, especialmente o K. 478. Por outro lado, compôs também quintetos famosos: o Quinteto de Cordas K. 515 e o Quinteto para Clarinete K. 581.

Música sacra

Mozart, que viveu num Estado papal, Salzburgo, tendo como patrão um Príncipe-Arcebispo, escreveu diversas peças destinadas à liturgia católica, sendo a maior obra deste género, o Requiem, a sua última obra.

Escreveu também duas importantes missas: a Grande Missa em Dó Menor (inacabada) e a Missa da Coroação Ave Verum.

17 fevereiro 2004

MOZART - OBRA (I)

A obra de Mozart traduz o apogeu do estilo clássico, que com ele atinge a mais elevada expressão.

De entre essa vastíssima obra (41 sinfonias, 27 concertos para piano, 5 concertos para violino, 4 concertos para trompas, 1 concerto para flauta, 1 concerto para oboé, 1 concerto para clarinete, 1 concerto para fagote, uma sinfonia para violino, viola e orquestra, 1 concerto para flauta e harpa, 17 divertimentos, 13 serenatas, mais de 100 minuetes, 19 missas, 4 cantatas, 24 óperas, 12 árias de concerto e 50 canções para voz e piano), as suas preferidas foram as óperas, em particular Don Giovanni e Flauta Mágica.

Sinfonias

Mozart escreveu 41 sinfonias, destacando-se, na fase inicial, a Sinfonia n. 25. Outra peça de maior relevo seria a Sinfonia n. 35, Haffner, a primeira composta em Viena, antecedendo as suas mais famosas obras-primas: Sinfonia n. 36, Linz, Sinfonia n. 39, K.543, Sinfonia n. 40, K.550 e a Sinfonia n. 41, Júpiter, considerada a maior de todas.

Música instrumental

O instrumento favorito de Mozart era o piano. Além da Sonata em Lá Menor, K. 331, do famoso Rondó alla Turca, destacam-se as sonatas K. 310 e K. 457; para violino e piano, salientam-se as sonatas K. 454 e 526.

16 fevereiro 2004

MOZART (IV)

MozartPermanentemente insatisfeito e em busca de si próprio, Mozart aderiu à maçonaria, entrando como aprendiz em 1784, ascendendo a mestre no ano seguinte.

Entretanto a sua popularidade sofria uma quebra; a ópera As Bodas de Fígaro, estreada em 1786, foi um fracasso financeiro, começando Mozart a experimentar dificuldades financeiras.

Refugiou-se temporariamente em Praga, onde a ópera foi entusiasticamente acolhida, levando à encomenda de outra ópera: Don Giovanni, a qual viria a ter aí grande sucesso, embora, não fosse bem aceite em Viena.

As encomendas reduziam-se e as dívidas de Mozart acumulavam-se, ao mesmo tempo que a fama se esfumava.

Em 1791, recebeu, de um amigo maçon, a encomenda de uma ópera, dirigida ao povo; a história, por meio de um conto de fadas, fazia a apologia da maçonaria e dos seus valores (a busca de si mesmo, a sabedoria e a fraternidade): A Flauta Mágica, a maior obra-prima de Mozart, que viria a resultar num êxito contínuo.

Voltou a ter encomendas, uma delas de um Requiem, por um "homem misterioso", cuja presença teria aterrorizado Mozart (no filme Amadeus, esse homem é personificado no seu compositor rival: António Salieri, que se julgou ter sido responsável pelo envenenamento de Mozart, embora tal não esteja demonstrado).

Mozart, já bastante doente, ia escrevendo o Requiem nos “tempos livres”, dando mais importância a outras obras. A 5 de Dezembro de 1791, ainda antes de completar 36 anos, morria um dos maiores génios da música de todos os tempos.

15 fevereiro 2004

MOZART (III)

Mozart Mozart seria então, em 5 de Janeiro de 1771, nomeado mestre de capela honorário da Academia Filarmónica de Verona. A 4 de Fevereiro, Mozart deixava Milão; depois de passar por Veneza, Parma e Verona, regressaria a Salzburgo, sendo-lhe encomendada uma ópera para a celebração do casamento do Arquiduque Ferdinand da Áustria.

Em 13 de Agosto de 1771, pai e filho partiram para a segunda viagem italiana, desta vez relativamente curta, de cerca quatro meses; chegado a Milão em 21 de Agosto, Mozart começou a trabalhar na ópera Ascanio in Alba K.111, a qual viria a alcançar grande sucesso.

Em 5 de Dezembro, deixaram Milão, regressando novamente a Salzburgo, onde se demoraram mais 10 meses. Em 4 de Novembro de 1772, retornavam a Milão, dedicando-se à composição de Lucio Silla, estreada a 26 de Dezembro.

Nas suas estadias em Itália, para além de óperas, Mozart dedicou-se também à escrita de sinfonias e dos primeiros quartetos de cordas. Mozart começava a superar a condição de menino-prodígio, assumindo-se como um compositor maduro, capaz de escrever sob todas as formas e estilos musicais existentes.

Em Março de 1773, depois de nova passagem por Salzburgo, regressava a Viena, talvez procurando alcançar um cargo na corte, que não tinha alcançado em Itália.

Em 1777, partiria em nova digressão pela Europa, conhecendo a jovem cantora Aloysia Weber, por quem se apaixonou, não sendo correspondido.

Em 1779, teve de regressar a Salzburgo, actuando novamente na Corte. Voltaria a Viena em 1781, casando, em 1782 com Constanze Weber, irmã de Aloysia.

14 fevereiro 2004

MOZART (II)

Mozart No final de 1764, ainda em Londres, Mozart, com 8 anos, começou a escrever a sua primeira sinfonia: a Sinfonia N.1 em Mi bemol Maior K.16.

Regressado a Salzburgo em 1766, Mozart, que fizera notáveis progressos na ópera, compôs a primeira parte de Die Schuldigkeit des ersten Gebots K.35. Partiria novamente para Viena, em Setembro de 1767; grassava na altura uma epidemia e, apesar de terem desviado o seu rumo para Brno, os irmãos contraíram varíola, apenas regressando a Viena, após um período de recuperação, no início de 1768.

A proposta do Imperador, Mozart, então com 12 anos, começou a escrever uma ópera: La finta semplice K.51/46ª. Levantou-se alguma contestação, pelos instrumentistas e cantores, ao facto de uma criança com 12 anos reger a orquestra, o que levou ao cancelamento da produção e ao regresso a Salzburgo, em Janeiro de 1769, onde seria então estreada a ópera.

O pai de Mozart começava a planear o triunfo na ópera italiana, centrada em Milão, para onde se dirigiram no final de 1769. Mozart daria o seu primeiro concerto em Itália, em Verona, a 5 de Janeiro de 1770, com grande sucesso; chegariam a Milão a 23 de Janeiro.

Aí tiveram como protector o Conde Karl Joseph Firmian, natural de Salzburgo, que os recomendou a importantes figuras de Bolonha, Florença e Roma. Em Fevereiro e Março de 1770, Mozart daria concertos de grande êxito, com a assistência da nobreza de Milão, originando a encomenda da primeira ópera da temporada seguinte: Mitridate, rè di Ponto K.87/74a.

Mozart seria recebido pelo Papa Clemente XIV em 8 de Julho, seguindo depois para Bolonha, chegando a Milão em Outubro de 1770, começando a escrever os recitativos da ópera Mitridate K.87/74a, a qual viria a ser um sucesso, estreando a 26 de Dezembro de 1770.

13 fevereiro 2004

MOZART (I)

Mozart

Wolfgang Amadeus Mozart (Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus), nasceu a 27 de Janeiro de 1756, em Salzburgo, filho de Leopold Mozart (também músico, compositor de câmara da corte, segundo violinista e, por fim, segundo-mestre de capela) e de Anna Maria Pertl.

Mozart começou a tocar cravo ainda antes dos 4 anos. Segundo conta a “lenda”, Mozart teria composto o seu primeiro concerto para cravo com 4 anos.

Leopold passou a dedicar-se quase na íntegra ao ensino dos seus dois filhos (Amadeus e a sua irmã Nannerl), rapidamente percebendo que tal lhe traria recompensas. Logo resolveu fazer uma viagem para apresentar os seus “prodígios”, deslocando-se a Munique, ainda antes de Mozart completar 6 anos (no início de Janeiro de 1762), tocando para o Príncipe-Eleitor da Baviera. Seguiu-se, em Outubro de 1762, um destino mais ambicioso: Viena, tendo os pequenos Mozart dado concertos perante vários membros da nobreza.

Após algumas semanas, despertariam a curiosidade da família imperial, tendo sido convidados para actuar em 13 de Outubro; causariam óptima impressão, deixando espantada a audiência. A partir daí, passaram a tocar quase diariamente para a nobreza vienense.

Em 31 de Dezembro, os Mozart partiram de Viena, regressando a Salzburgo em 5 de Janeiro de 1763, altura em que Mozart adoeceu, com febre reumática. Em Junho, iniciaram nova expedição, passando por Munique, Paris (Março de 1764), Londres (Abril) e Amesterdão (início de 1766), sempre com grande êxito junto das casas reais; esta viagem prolongar-se-ia por mais de três anos, passando por mais de 80 cidades.

12 fevereiro 2004

CAMÕES - LÍRICA

A primeira edição da Lírica apenas seria publicada em 1595 (“Rimas”, compilação a partir de cancioneiros manuscritos).

A obra lírica de Camões é constituída por: Redondilhas; Sonetos (composições poéticas de 14 versos, distribuídas em dois quartetos e dois tercetos); Éclogas (poesia em forma de diálogo, com tema pastoril); Odes; Elegias (composições que expressam tristeza); Canções (composições curtas); Oitavas (poemas com estrofes de 8 versos); Sextinas (poemas com estrofes de 6 versos).

Descalça vai para a fonte

“Descalça vai para a fonte
Lianor, pela verdura;
Vai fermosa, e não segura.
Leva na cabeça o pote,
Os textos nas mãos de prata,
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote;
Trás a vasquinha de cote,
Mais Branco que a neve pura;
>Vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro o entrançado,
Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura:
Vai fermosa, e não segura."

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
odo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferente em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto
E, afora esta mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de amor espanto,
Que não se muda já como soía.”

11 fevereiro 2004

CAMÕES – AUTOS

Entendida no seu conjunto, a obra de Camões traduz a capacidade única de criação do poeta, expressa por via de diferentes géneros: épico, dramático e lírico.

Os Autos de Camões apenas seriam publicados em 1587, incluídos no volume “Primeira Parte dos Autos e Comédias Portuguesas”: os autos-comédia Enfatriões e Filodemo; El-Rei Seleuco apenas viria a ser publicado em 1645.

10 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (X)

A epopeia finaliza com o Canto X, com o banquete no palácio de Tétis, na Ilha dos Amores, em que é apresentada a Vasco da Gama, no cume de um monte, a “máquina do mundo": a descrição do universo e da Terra, com indicação dos lugares até onde chegará o império português. Os portugueses partem de regresso a Portugal. Após o lamento do poeta por se sentir incompreendido, o poema conclui-se com a invocação final a D. Sebastião, incentivando-o a prosseguir o trilho da glória.

"Fazei, Senhor, que nunca os admirados
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados,
Mais que pera mandar, os Portugueses.
Tomai conselho só d' exprimentados,
Que viram largos anos, largos meses,
Que, posto que em cientes muito cabe,
Mais em particular o experto sabe.

De Formião, filósofo elegante,
Vereis como Anibal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado,
Nem engenho, que aqui vereis presente,
Cousas que juntas se acham raramente.

Pera servir-vos, braço às armas feito,
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
Só me falece ser a vós aceito,
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pres[s]aga mente vaticina
Olhando a vossa inclinação divina,

Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter enveja."

09 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (IX)

No Canto IX, os Catuais procuram retardar o regresso da armada lusa. Vénus decide recompensar os portugueses, ordenando a Cupido e à Fama que preparem a Ilha dos Amores, em que Tétis, a deusa dos oceanos os acolhe, sendo os portugueses recebidos pelas ninfas apaixonadas. Tétis fala a Vasco da Gama sobre as futuras glórias dos portugueses.

“Tiveram longamente na cidade,
Sem vender-se, a fazenda os dous feitores,
Que os Infiéis, por manha e falsidade,
Fazem que não lha comprem mercadores;
Que todo seu propósito e vontade
Era deter ali os descobridores
Da Índia tanto tempo que viessem
De Meca as naus, que as suas desfizessem.

Lá no seio Eritreu, onde fundada
Arsínoe foi do Egípcio Ptolomeu
(Do nome da irmã sua assi chamada,
Que despois em Suez se converteu),
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceu
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maumetana.

Gidá se chama o porto aonde o trato
De todo o Roxo Mar mais florecia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão que esse Reino possuía.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos Infiéis, fermosa companhia
De grandes naus, pelo Índico Oceano,
Especiaria vem buscar cada ano.

Por estas naus os Mouros esperavam,
Que, como fossem grandes e possantes,
Aquelas que o comércio lhe tomavam,
Com flamas abrasassem crepitantes.
Neste socorro tanto confiavam
Que já não querem mais dos navegantes
Senão que tanto tempo ali tardassem
Que da famosa Meca as naus chegassem."

08 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (VIII)

No Canto VIII, Paulo da Gama faz uma exposição sobre os símbolos das bandeiras, falando sobre as grandes figuras da história de Portugal (Ulisses, Viriato, Sertório, D. Henrique, Afonso Henriques, Egas Moniz, entre outros). Baco procura instigar um sacerdote muçulmano contra os portugueses. Vasco da Gama é retido, tendo de ser resgatado por troca com mercadorias, lamentando o poeta a importância atribuída ao vil metal, origem de corrupção e traição.

“Na primeira figura se detinha
O Catual que vira estar pintada,
Que por divisa um ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada.
Quem era e por que causa lhe convinha
A divisa que tem na mão tomada?
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sábio lhe interpreta:

– «Estas figuras todas que aparecem,
Bravos em vista e feros nos aspeitos,
Mais bravos e mais feros se conhecem,
Pela fama, nas obras e nos feitos.
Antigos são, mas inda resplandecem
Co nome, entre os engenhos mais perfeitos.
Este que vês, é Luso, donde a Fama
O nosso Reino «Lusitânia» chama.

«Foi filho e companheiro do Tebano
Que tão diversas partes conquistou;
Parece vindo ter ao ninho Hispano
Seguindo as armas, que contino usou.
Do Douro, Guadiana o campo ufano,
Já dito Elísio, tanto o contentou
Que ali quis dar aos já cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.

«O ramo que lhe vês, pera divisa,
O verde tirso foi, de Baco usado;
O qual à nossa idade amostra e avisa
Que foi seu companheiro e filho amado.
Vês outro, que do Tejo a terra pisa,
Despois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpétuos edifica,
E templo a Palas, que em memória fica?”

07 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS (VII)

O Canto VII começa por elogiar a expansão portuguesa como uma cruzada, espalhando a fé cristã, fazendo de seguida uma descrição da Índia. Dá-se o desembarque, seguido de encontro com o Samorim. O regedor Catual visita a armada portuguesa, pedindo a Paulo de Gama que explique o significado das figuras nas bandeiras.

“Já se viam chegados junto à terra
Que desejada já de tantos fora,
Que entre as correntes índicas se encerra
E o Ganges, que no Céu terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
Quereis levar a palma vencedora:
Já sois chegados, já tendes diante
A terra de riquezas abundante!

A vós, ó geração de Luso, digo,
Que tão pequena parte sois no mundo,
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral de Quem governa o Céu rotundo;
Vós, a quem não sòmente algum perigo
Estorva conquistar o povo imundo,
Mas nem cobiça ou pouca obediência
Da Madre que nos Céus está em essência;

Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que, à custa de vossas várias mortes,
A lei da vida eterna dilatais:
Assi do Céu deitadas são as sortes
Que vós, por muito poucos que sejais,
Muito façais na santa Cristandade.
Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!

Vede'los Alemães, soberbo gado,
Que por tão largos campos se apacenta;
Do sucessor de Pedro rebelado,
Novo pastor e nova seita inventa;
Vede'lo em feias guerras ocupado,
Que inda co cego error se não contenta,
Não contra o superbíssimo Otomano,
Mas por sair do jugo soberano."

06 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS (VI)

Os LusíadasNo Canto VI, a armada parte para Calecut, com nova intervenção hostil de Baco junto de Neptuno, deus do mar, procurando prejudicar os portugueses. Enquanto os marinheiros ouvem tranquilamente contar o episódio de "Os Doze de Inglaterra", o deus dos ventos, Éolo desencadeia uma tempestade, obrigando Vénus a intervir novamente, mandando as ninfas amainar o vento. Por fim, os portugueses chegam a Calecut.

"Não sabia em que modo festejasse
O Rei Pagão os fortes navegantes,
Pera que as amizades alcançasse
Do Rei Cristão, das gentes tão possantes.
Pesa-lhe que tão longe o apousentasse
Das Europeias terras abundantes
A ventura, que não no fez vizinho
Donde Hércules ao mar abriu o caminho.

Com jogos, danças e outras alegrias,
A segundo a polícia Melindana,
Com usadas e ledas pescarias,
Com que a Lageia António alegra e engana,
Este famoso Rei, todos os dias
Festeja a companhia Lusitana,
Com banquetes, manjares desusados,
Com frutas, aves, carnes e pescados.

Mas vendo o Capitão que se detinha
Já mais do que devia, e o fresco vento
O convida que parta e tome asinha
Os pilotos da terra e mantimentos
Não se quer mais deter, que ainda tinha
Muito pera cortar do salso argento.
Já do Pagão benigno se despede,
Que a todos amizade longa pede.

Pede-lhe mais que aquele porto seja
Sempre com suas frotas visitado,
Que nenhum outro bem maior deseja
Que dar a tais barões seu reino e estado;
E que, enquanto seu corpo o esprito reja,
Estará de contino aparelhado
A pôr a vida e reino totalmente
Por tão bom Rei, por tão sublime gente."

05 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (V)

No Canto V, como num "flash-back", Vasco da Gama começa a contar ao Rei de Melinde a sua viagem, desde o Cruzeiro do Sul aos perigos da costa africana, com o "Fogo-de-santelmo", a tromba marítima e o grande obstáculo do Gigante Adamastor, personificação do Cabo das Tormentas, até à doença e morte provocadas pelo escorbuto.

“«Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prósperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite estando descuidados,
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem que os ares escurece
Sobre nossas cabeças aparece.

«Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo o negro mar, de longe brada
Como se desse em vão nalgum rochedo.
– «Ó Potestade, disse, sublimada!
Que ameaço divino, ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?» –

«Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura,
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má, e a cor terrena e pálida,
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

«Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te, que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo:
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo:
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo."

04 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (IV)

O Canto IV prossegue com a história de Portugal narrada por Vasco da Gama, desde a ascensão do Mestre de Aviz, batalha de Aljubarrota, as conquistas de África na época de D. João II, até ao reinado de D. Manuel, culminando com o episódio do "Velho do Restelo", advertindo de forma pessimista os portugueses sobre os perigos decorrentes da vaidade e da ambição de fama, no momento da partida da armada para a Índia.

“«Despois de procelosa tempestade,
Nocturna sombra e sibilante vento,
Traz a manhã serena claridade,
Esperança de porto e salvamento;
Aparta o Sol a negra escuridade,
Removendo o temor ao pensamento:
Assi no Reino forte aconteceu
Despois que o Rei Fernando faleceu.

«Porque, se muito os nossos desejaram
Quem os danos e ofensas vá vingando
Naqueles que tão bem se aproveitaram
Do descuido remisso de Fernando,
Despois de pouco tempo o alcançaram,
Joane, sempre ilustre, alevantando
Por Rei, como de Pedro único herdeiro
(Ainda que bastardo) verdadeiro.

«Ser isto ordenação dos Céus divina
Por sinais muito claros se mostrou,
Quando em Évora a voz de ũa minina,
Ante tempo falando, o nomeou.
E, como cousa, enfim, que o Céu destina,
No berço o corpo e a voz alevantou:
– «Portugal, Portugal (alçando a mão,
Disse) polo Rei novo, Dom João!»

«Alteradas então do Reino as gentes
Co ódio que ocupado os peitos tinha,
Absolutas cruezas e evidentes
Faz do povo o furor, por onde vinha;
Matando vão amigos e parentes
Do adúltero Conde e da Rainha,
Com quem sua incontinência desonesta
Mais (despois de viúva) manifesta."

03 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (III)

Os LusíadasNo Canto III, Vasco da Gama fala ao monarca de Melinde da geografia e inicia a narrativa de episódios da história de Portugal, nomeadamente da batalha de Ourique, formação da nacionalidade, dos feitos dos Reis da I Dinastia, de Egas Moniz, da batalha do Salado e de Inês de Castro.

“Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.

Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fernosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria."

02 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (II)

No Canto II, com a chegada a Mombaça (Quénia), Baco continua a sua acção, instigando os mouros contra os portugueses. Seriam salvos por Vénus, afastando a armada, e intercedendo junto de Júpiter, profeta de feitos gloriosos dos portugueses no Oriente, aparecendo Mercúrio num sonho a Vasco da Gama e aconselhando-o a dirigir-se a Melinde, onde seria bem recebido.

"Já neste tempo o lúcido Planeta
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo;
E da casa marítima secreta
Lhe estava o Deus Nocturno a porta abrindo,
Quando as infidas gentes se chegaram
Às naus, que pouco havia que ancoraram.

Dantre eles um, que traz encomendado
O mortífero engano, assi dizia:
– «Capitão valeroso, que cortado
Tens de Neptuno o reino e salsa via,
O Rei que manda esta Ilha, alvoraçado
Da vinda tua, tem tanta alegria
Que não deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te e do necessário reformar-te.

«E porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entres a barra, tu com toda armada;
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e cansada,
Diz que na terra podes reformá-la,
Que a natureza obriga a desejá-la.

«E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo.»"

01 fevereiro 2004

"OS LUSÍADAS" (I)

Os LusíadasA obra épica de Camões compreende dez partes, designadas por Cantos, cada um com um número variável de estâncias (sendo o maior o Canto X); as estrofes são oitavas, compostas portanto de oito versos, sempre com o mesmo esquema de rimas (rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos); cada verso é constituído por dez sílabas métricas.

O Canto I inicia-se com a "Proposição", em que é apresentado o objectivo da obra, que, tratando-se de uma epopeia, é o de celebrar os feitos e conquistas lusitanos (vitórias em África e na Ásia, desde D. João a D. Manuel e as navegações no Oriente) – centrada portanto na celebração de uma viagem, na história de um povo, na vitória sobre "os deuses" –, logo seguida da "Invocação", em que o poeta solicita às ninfas do Tejo (musas) que lhe dêem inspiração, a que se segue a "Dedicatória", a oferenda do poema ao Rei D. Sebastião.

A narrativa apenas começa na estância 19, com a armada de Vasco da Gama já a meio da viagem, no Índico, a caminho de Moçambique, enquanto que o Concílio dos deuses aprecia se deverão ajudar (Júpiter e Vénus) ou impedir (Baco) os portugueses na sua ousada aventura; com a "vitória" da tendência apoiante, resta a Baco colocar obstáculos à empreitada dos portugueses no caminho até à Índia, recorrendo para tal às ciladas dos povos africanos (Rei de Moçambique).

Os Lusíadas"As armas e os barões assinalados
Que, da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta."

ASSINATURA…

Possivelmente, alguns o saberiam… Eventualmente, outros o “suspeitariam” (?)… A “assinatura” que utilizei nas “entradas” deste “blogue” (L...